Na última semana do mês passado (outubro/2023), fui convidado a participar, no “Petit Trianon”, sede da “ABL - Academia Brasileira de Letras”, do tradicional chá das terças-feiras, numa das comemorações aos 126 anos que a entidade completou este ano (2023).
À “ABL” foi criada por iniciativa de “Lúcio Eugênio de Meneses e Vasconcelos Drummond Furtado de Mendonça” (10 de março de 1854 - 23 de novembro de 1909), sendo fundada no dia (20 de Julho de 1897), na casa do já falecido intelectual iluminista, diplomata e político da corte de “D. João VI” (13 de maio de 1767 - 10 de março de 1826), “Antônio de Araújo de Azevedo - Conde da Barca” (14 de maio de 1754 - 21 junho de 1817), localizada na “Rua do Passeio” n° 66, “Rio de Janeiro”¹. O local reuniu um grupo de 40 escritores, entre eles “Machado de Assis” (na época um de seus fundadores mais antigos e autor já consagrado), com ascendência indiscutível sobre os mais jovens, presidiu a “ABL” até sua morte, em (1908), aos 69 anos.
Mesmo sendo considerado um intelectual, à “ABL” (entidade), não me “enche os olhos”. Mas, fui tomar chá, a convite de alguns amigos jornalistas, escritores, cantores e artistas, que hoje são membros da casa.
Mas, por que à “ABL” não me encanta? - sinceramente, eu não gostaria de fazer parte de uma instituição onde você entra andando e, que só imortaliza seus membros depois que eles morrem. Este é um aspecto contraditório, estranho, excêntrico, intrigante e até mesmo horripilante.
E não estou sozinho no meu modo de pensar, o autor de uma vasta obra poética, “Carlos Drummond de Andrade” (31 de outubro de 1902 - 17 de agosto de 1987), por exemplo, não aderiu à “ABL”, por um motivo simples e íntimo: nunca quis se candidatar a “imortal”.
Outros nomes, como: “Érico Lopes Veríssimo” (17 de dezembro de 1905 – 28 de novembro de 1975); “Graciliano Ramos de Oliveira” (27 de outubro de 1892 – 20 de março de 1953); “José Bento Renato Monteiro Lobato” (18 de abril de 1882 – 4 de julho de 1948); “Chaya Pinkhasovna Lispector - Clarice Lispector” (10 de dezembro de 1920 - 9 de dezembro de 1977); “Mário de Miranda Quintana” (30 de julho de 1906 – 5 de maio de 1994); “Nelson Falcão Rodrigues” (23 de agosto de 1912 - 21 de dezembro de 1980); “O Menino Maluquinho - Ziraldo Alves Pinto” (24 de outubro de 1932); entre outros, também nunca tiveram interesse em disputar a “imortalidade da ABL”. É preciso deixar claro, que qualquer candidatura à “ABL” decorre do ato unilateral, ou seja, o pretendente precisa formalizar seu interesse de ingressar a entidade, mediante carta de inscrição. Pelo Estatuto da “ABL”, datado de (1897), demanda-se que os membros da casa tenham publicado, em qualquer gênero, “obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livros de valor literário”.
“José Oswald de Sousa de Andrade” (11 de janeiro de 1890 - 22 de outubro de 1954), chegou a postular a uma cadeira na “ABL”, porém, obteve apenas um voto. “Jô Soares” (16 de janeiro de 1938 – 5 de agosto de 2022) e mais recentemente, “Mauricio Araújo de Sousa” (27 de outubro de 1935), chegaram a postular uma cadeira na “Academia”, mas, também não venceram.
Os principais critérios de votação na “ABL” levam em conta a genealogia da cadeira, por exemplo: se ela já foi ocupada predominantemente por ficcionistas, haverá quem defenda a manutenção da linhagem. A sociabilidade também é levada em consideração, pois, um novo acadêmico é uma pessoa com quem se conviverá até o inevitável fim de seus dias na entidade.
Então, qual a vantagem de ser “imortal?” - ser “imortal” além de ser algo que aguce vaidades, é também muito rentável, pois, cada acadêmico recebe, a título de “salário” (para não fazer absolutamente nada), R$ 3 mil por mês, além de mais alguns “cachês” pela presença semanal na entidade. O “imortal” que vai tomar chá às terças, por exemplo, ganha mais R$ 800,00. E, ao comparecer à reunião das quintas-feiras, acrescenta mais R$ 1 mil em seu bolso. E assim, cumpre-se aquele antigo ditado popular: “De grão em grão, a galinha enche o papo”. No entanto, deve-se ressaltar que à “ABL” subsiste sem ônus aos cofres públicos, não sendo subvencionada pelo Estado, dispondo de plena autonomia econômica.
Desde cedo a “ABL” povoou o imaginário da intelectualidade brasileira, provocando reações extremadas de amor e ódio. Muitos equívocos e meias verdades circulam em torno da instituição, como, por exemplo, abrigar acadêmicos que não são literatos em sentido estrito. Baseando-se na “Academia Francesa de Letras”, a nossa academia, optou por também acolher os chamados “notáveis”, expoentes em várias áreas do saber: diplomatas, juristas, cientistas. Os “Joaquins”: “Joaquim Maria Machado de Assis” (21 de junho de 1839 - 29 de setembro de 1908) e “Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo” (19 de agosto de 1849 - 17 de janeiro de 1910), divergiram nesta questão, mas, o ponto de vista de “Nabuco” (favorável a um conceito mais amplo de “acadêmicos não letrados”), venceu os argumentos de “Assis”, que preferia exclusividade de “acadêmicos letrados”. Isso explica a presença do “José Maria da Silva Paranhos Júnior - Barão do Rio Branco” (20 de abril de 1845 - 10 de fevereiro de 1912); “Alberto Santos Dumont” (20 de julho de 1873 - 23 de julho de 1932); “Oswaldo Gonçalves Cruz” (5 de agosto de 1872 - 11 de fevereiro de 1917); “Getúlio Dornelles Vargas” (19 de abril de 1882 - 24 de agosto de 1954); “José Ribamar Ferreira de Araújo Costa - José Sarney” (24 de abril de 1930); “Roberto Pisani Marinho” (3 de dezembro de 1904 - 6 de agosto de 2003), entre outros, no quadro dos acadêmicos.
A “ABL” oferece visitas guiadas para alunos do ensino médio. Existem duas bibliotecas (acadêmica e geral), que recebem diariamente dezenas de consulentes e pesquisadores, com acesso a um moderníssimo “centro de memória” e ao “VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa”. A linha editorial da “ABL”, investe em títulos relevantes, mas, não contemplados pelo mercado, que os considera de pouco retorno comercial.
Ao apoiar e difundir a cultura na sua pluralidade de manifestações, à “ABL” cumpre o seu propósito mais legítimo, seja nos momentos de reveses ou de sucessos, que marcam sua trajetória de bem mais de um século, persistindo ao longo dos anos, como uma casa que sempre lutou pela dignificação e independência da intelectualidade brasileira, concedendo simbolicamente aos seus associados a sensação fugaz de uma glória imortal: “Que fica, eleva, honra e consola”.
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[NOTAS FINAIS ®DOUG BLOG]
¹ A casa do “Conde da Barca” hoje é o “Museu e Centro Cultural Pedagogium”. Já o atual endereço do “Petit Trianon”, sede da “ABL - Academia Brasileira de Letras”, é na “Av. Presidente Wilson, n° 203 - Castelo - Rio de Janeiro”.
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웃 PERSONAGENS NAS ARTES NÃO MENCIONADOS NO TEXTO:
* “O Menino Maluquinho”, personagem do cartunista brasileiro: “Ziraldo Alves Pinto” (24 de outubro de 1932) * “Ziraldo” faleceu em (6 de abril de 2024).