“A vida é louca, o mundo é triste: vale a pena matar-se por isso?”
Esta frase que representa tão bem estes dias pandêmicos de “Coronavírus”, qual vivemos hoje, é do “Mário”...
E aí, você conhece o Mário? (Quem nunca escutou essa piadinha infame?) - ou quem nunca jogou “Super Mario Bros?” - (em japonês: スーパーマリオブラザーズ - Sūpā Mario Burazāzu), game da “Nintendo”, que fez muito sucesso nos anos (1985), no Mundo todo.
Mas, aqui o “Mário” é outro, não é o “Mario” do game (sem acentuação gráfica, com um traço oblíquo para a direita), é um “Mário passarinheiro”, que não utiliza estilingue e sim, “estiLínguagem de Expressão Verbal” (termo inexiste), porém, bem pertinente ao nosso “Mário”, sempre tão inventivo, que é considerado sendo o “poeta das coisas simples”. E por assim ser, inteligível, ele disse tantas coisas com sutileza nas palavras.
“Mário de Miranda Quintana” (30 de julho de 1906 - 5 de maio de 1994), a rigor, não praticava nenhuma religião, mas, foi educado no catolicismo. Ele se qualificava sendo agnóstico (ou seja, alguém que declara não saber com certeza se Deus existe). Mas, era admirador dos relatos da vida de “Jorge da Capadócia - São Jorge” [em grego: Άγιος Γεώργιος - em latim: Georgius] (275 d.C. — 23 de abril de 303 d.C.). Assim sendo, hoje no dia de “São Jorge Guerreiro” (meu Santo de devoção), relatarei aqui esta passagem da vida deste grande autor brasileiro.
Um dia, “Mário Quintana”, foi indagado em uma entrevista sobre: politica, sociedade, vida e morte, de um modo geral... O nosso “Mário passarinheiro” respondeu, no melhor estilo “avant-garde”¹: “Todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão... Eu passarinho!”
Hoje, uma partícula desta frase, circula quase como se fosse um ditado popular: “Eles passarão... Eu passarinho!” - se tornando fruto do inconsciente coletivo, onde muitos repetem, porém, nem todos têm conhecimento do autor ou de sua origem. Estes versos pertencem ao “Poeminho do Contra” (1934). Observem, eu escrevi correto, é “poeminho” mesmo e não, “poeminha”... Aqui, mais uma “estiLínguagem” do nosso “Mário passarinheiro”.
Retornando a entrevista, qual “Mário Quintana”, concedeu para um jornal paulista, quando tudo já havia sido perguntado... E tudo também já havia sido devidamente respondido, o repórter e o fotógrafo do jornal, foram embora do hotel em que “Mário” residia. No dia seguinte, logo bem cedo, “Quintana” vai até a banca de jornal da esquina do hotel (pois, aquele periódico paulistano, não fazia parte das gazetas recebidas pelo “Hotel Majestic”². Enquanto voltava alegremente para o hotel, assobiando (como se fosse um passarinho), acenava vez por outra com a cabeça, cumprimentando seus conhecidos. “Mário” com o jornal em suas mãos, chegou ao hotel e logo foi tomar seu café, pois, tinha por hábito fazer lendo o matutino. Já de posse de uma generosa xícara de café com leite e um “cacetinho”³, com uma grossa camada de manteiga, de cara lê a manchete:
EXCLUSIVO: HOJE, ENTREVISTA COM O POETA MARIO QUINTANA.
“Mário Quintana”, coça a cabeça, vai até a recepção, pede ao “Concierge”⁴ que seja feita uma ligação telefônica (que para os mais jovens e menos avisados, um dia o telefone já foi fixo e de fio). O rapaz fez a ligação pedida, para a redação do jornal em “São Paulo”, mandando chamar o repórter “Xavier”. “Mário” dirigiu-se a uma cabine ali mesmo na recepção do hotel, pois, do outro lado da linha, já estava o repórter da matéria, que ainda sem saber quem queria falar, indaga:
💬 Alô, em que posso ser útil?
“Mário Quintana”, responde:
💬 Xavier, aqui é o Mário.
💬 Mas, que Mário meu senhor? Existem inúmeros Mários aqui em São Paulo!
💬 Mas, eu não estou em São Paulo. Aqui é o Mário com acento agudo na letra A.
💬 Nos conhecemos?
💬 Sim, você fez uma reportagem comigo, aqui no hotel que resido em Porto Alegre... E seu jornal, fez o favor de publicar meu nome errado!
💬 É o senhor mesmo, seu, Mário Quintana???
💬 Sim, em carne, osso e como disse, com acento agudo na letra A de Mário.
💬 Mas, meu poeta, isso é só um detalhe... É só um acento... É só um erro tipográfico.
💬 Só um detalhe? Só um acento? Só um erro tipográfico?
💬 Sim...
E de maneira serena, “Mário Quintana” diz ao sujeito:
💬 Meu jovem, aprenda uma coisa: em uma reportagem, a resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas. E meu nome não faz parte das perguntas e muito menos das respostas. Nome é nome, é aquilo que nos difere, que nos identifica. E salvo se meu nome estivesse escrito sem acentuação aguda, na letra A de Mário, na minha escrituração de nascimento, o que não é o caso, eu lhe digo que, pontuação não é enfeite e muito menos os acentos são. Então, vê se coloca seu bumbum no assento da cadeira e, trate de redigir uma errata aí na tua máquina de escrever, acentuando meu nome de maneira correta, para sair ainda hoje no Segundo Clichê⁵.
Telefone desligado (e mesmo tendo mantido um tom plácido em sua voz, na ligação), “Mário Quintana”, cometendo um “pleonasmo da vida”, fala baixinho “consigo mesmo”:
💬 Acho que fui muito duro com o rapaz. No fim, agente entende que tudo o que se aprende chega a um belo resultado: aporia.⁶
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¹ “Avant-garde”, é uma expressão de origem na lírica francesa. Assim sendo, na partícula da frase: “Eles passarão... Eu passarinho!” - “eu passarinho”, é o objeto de quem fala. Já, “eles passarão”, é a parcela da “intelligentsia”, responsável por introduzir no cenário cultural e artístico, técnicas, ideias e conceitos novos, avançados na vanguarda literária, que procura exercer um papel precursor, nas artes. Mas, nada tem a ver com uma “paranomásia”, figura estilística fonética, que emprega palavras parônimas, numa mesma frase, fenômeno este, que é popularmente conhecido como trocadilho.
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² “Mário Quintana” não se casou, nem teve filhos. Solitário, viveu grande parte da vida em hotéis: de (1968 a 1980), residiu no “Hotel Majestic” (no centro histórico de “Porto Alegre”), de onde se viu despejado, quando o jornal em que trabalhava: “Correio do Povo”, encerrou suas atividades, devido a problemas financeiros. Assim, “Quintana”, se vendo sem ordenado, não tinha mais como pagar suas diárias, tendo na época, o comentarista esportivo, técnico e ex-jogador de futebol, “Paulo Roberto Falcão” (16 de outubro de 1953), cedido sem custos, um dos quartos do “Hotel Royal”, de sua propriedade. Sem querer ser ingrato, “Mário Quintana” disse ao ídolo do “Internacional”, quando perguntado se estava satisfeito com suas novas acomodações: “Paulo Roberto, o quarto é tão pequeno, que hoje eu moro em mim mesmo. Mas, não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom, assim tenho menos lugares para perder as minhas coisas”. Uma amiga de “Mário Quintana”, que participava da conversa do “ex-craque do Inter” e do poeta e, que havia sido contratada para registrar em fotografias os 80 anos de idade do nosso “poeta passarinheiro”, fez contatos pessoais e conseguiu (também sem custos), um apartamento no “Porto Alegre Residence” (apart-hotel no centro da cidade), onde o poeta viveu até a data da sua morte. Ao conhecer o espaço, ele se encantou e disse para sua amiga: “Nossa... Tem até cozinha!” Em (1982), o prédio do “Hotel Majestic” (ex-residência do poeta e, um marco arquitetônico de “Porto Alegre”), foi tombado como patrimônio histórico, fato que resultou em (1983), num decreto do então governador do “Rio Grande do Sul: José Augusto Amaral de Sousa” (21/8/1929 - 13/6/2012), sendo o local transformado na “Casa de Cultura Mário Quintana”.
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³ O “pão francês” é conhecido por “cacetinho” (principalmente em “Porto Alegre”), pois, o mesmo é “original da baguette”, tipo de pão trazido para o “Brasil” pela comunidade francesa, que imigrou para o Sul do País, entre (1888 e 1915). “Baguette” qual a tradução é: “haste, porrete ou cacete”. Logo, o “pão francês” menor (que aliás, não existe na “França”), foi apelidado de “cacetinho”, lá pelas “paragens sulistas”.
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⁴ “Concierge”, é um termo da língua francesa, comum no ramo hoteleiro, consistindo na função do profissional responsável por atender as necessidades básicas e especiais dos hóspedes.
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⁵ O “Segundo Clichê” (do francês: “Cliché”), era uma tiragem suplementar de um mesmo número de jornal, que em tipografia, diz respeito a uma correção efetuada no período da tarde, de um erro editado no jornal que saíra pela manhã, mas, que caiu em desuso, nos últimos anos, com o advento da Internet, sendo tais erratas feitas atualmente, na edição digital.
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⁶ “Aporia”, consiste na dificuldade ou dúvida racional, decorrente da impossibilidade objetiva de raciocínio, em obter resposta ou conclusão para uma determinada indagação filosófica, para uma situação considerada insolúvel, sem saída, onde o indivíduo sente hesitação a propósito daquilo que pretende dizer.