“Um dia, lá para o fim do futuro, alguém escreverá sobre mim um poema, e talvez só então eu comece a reinar no meu Reino.” (“Fernando Pessoa”)
Dos poetas lusos, um dos meus prediletos e mais notórios, com toda certeza é “Fernando Pessoa”. Este homem multifacetado, refém de sua mente inventiva, que nunca se contentou em ser “Pessoa” só no sobrenome, precisava ser várias pessoas dentro de um só “Pessoa”. E no decorrer da sua vida, assim o fez, foi vários poetas ao mesmo tempo, tendo sido “plural”.
“Fernando Pessoa” criou personalidades próprias para os vários poetas que habitavam o seu ser. Cada um possui sua biografia e traços diferentes de personalidade. Os poetas não são pseudônimos e sim heterônimos, isto é, indivíduos diferentes, cada qual com seu universo particular, representando o que angustiava ou encantava o seu autor, fazendo “Fernando Pessoa” torna-se “ortônimo” de suas criações, ao assumir outras personalidades como se fossem pessoas reais.
“Fernando António Nogueira Pessoa”, que nasceu e faleceu em “Lisboa - Portugal”: (13 de junho de 1888 - 30 de novembro de 1935), mas, que viveu as sensações de cada um de nós que apreciamos sua arte, pois, acabamos sendo a extensão do poeta, mais “pessoas” de “Fernando Pessoa”, pois, somos 7,7 bilhões de “pessoas” espalhados por eeste Mundo pouco poético.
“Alberto Caeiro” - Nascido na capital de “Portugal - Lisboa”, em: (16 de abril de 1889). Era órfão de pai e mãe. Só se instruiu até o primário e vivia no campo, sob a proteção de uma tia-avó. “Caeiro”, se tornou um poeta das searas, sempre em contato com a natureza, extraindo dela os valores ingênuos, com os quais alimentou sua alma. Para “Alberto Caeiro”, “tudo é como é”. O poeta propõe à objetividade em seus escritos, sem a mediação do pensamento comum, dos poetas citadinos. Escreveu os poemas: “O Guardador de Rebanhos e O Pastor Amoroso”, mostrando a forma simples e natural de sentir e dizer deste poeta. Muito pobre, foi tentar uma vida melhor em “Lisboa”, onde escreveu “Os Poemas Inconjuntos”. Morreu ainda muito jovem (26 anos), acometido pela tuberculose, em (1915).
“Ricardo Reis” - Nascido na bela cidade do “Porto - Portugal”, no dia: (19 de setembro de 1887). Teve formação em escola de jesuítas e estudou medicina (porém nunca exerceu). Monarquista, expatriou-se por vontade própria no “Brasil imperial” em (1919), por não concordar com a Proclamação da República Portuguesa. Foi profundo admirador da cultura clássica, tendo estudado latim, grego e mitologia. A obra de “Reis” é a ode clássica, cheia de princípios aristocráticos. Na biografia de “Ricardo Reis” e de “Álvaro de Campos”, ao contrário da biografia de “Alberto Caeiro”, não constam as datas das suas mortes. Para “Álvaro de Campos”, ainda é considerado o ano de (1935), como a de sua morte. Por isso, após o falecimento de “Fernando Pessoa”, outro grande poeta luso, “José Saramago” (16 de novembro de 1922 - 18 de junho de 2010), aventurou-se a terminar a história de um deles em (1984), no romance: “O Ano da Morte de Ricardo Reis”.
“Álvaro de Campos” - Nascido no extremo sul de “Portugal - em Tavira”, no dia: (15 de outubro de 1890), para mim é o mais importante heterônimo de “Fernando Pessoa”, é o verdadeiro alter ego do escritor português. “Álvaro de Campos” sucedeu a “Alexander Search”, um heterônimo que surgiu ainda na “África do Sul”, onde “Fernando Pessoa” passou a infância e adolescência. Porém, na fase adulta, descartou este heterônimo. Considerando a educação vulgar de liceu. “Álvaro de Campos”, foi estudar engenharia na “Escócia, em Glasgow”, primeiro engenharia mecânica e depois naval, mas, preferiu continuar a ser o poeta moderno, aquele que vive as ideologias do século XX, pois, não podia suportar viver confinado em escritórios. Assim, realizou uma viagem ao Oriente, registada no seu poema “Opiário”. Trabalhou em “Londres, Barrow on Furness e Newcastle upon Tyne” (1922). De temperamento rebelde e agressivo, seus versos reproduzem a revolta e o inconformismo, manifestados através de uma verdadeira revolução poética. Escreveu as Odes: “Triunfal e Marítima”. Desempregado, teria voltado para “Lisboa” em (1926), mergulhando então em solidão e decadência. O poema “Tabacaria”, de (1928), foi uma das obras-primas de “Álvaro de Campos”.
“Bernardo Soares” - É um dos heterônimos que o próprio “Fernando Pessoa” definiu como sendo um “semi-heterônimo”. É o autor do Livro: “Desassossego”, escrito em forma de fragmentos. Apesar de fragmentário, o livro é considerado uma das obras fundadoras da ficção portuguesa no século XX, ao encenar na linguagem várias categorias que vão desde o pragmatismo da condição humana até o absurdo da própria literatura. “Bernardo Soares” é, dentro da ficção de seu próprio livro, um simples ajudante de guarda-livros, na cidade de “Lisboa”. Na visão lúdica de “Fernando Pessoa”, ambos se conheceram numa pequena casa de pasto portuguesa¹. Foi aí que “Bernardo” começou a ler o “Livro do Desassossego”. É considerado um semi-heterônimo porque, como seu próprio criador explica: “Não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas, uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afetividade”. A instância da ficção que se desenvolve no livro é insignificante, porque se trata de uma “autobiografia sem fatos”, como o próprio “Fernando Pessoa” situa o livro. Desta forma, o que interessa na prosa fragmentária que “Bernardo Soares” desenvolve, é a dramaticidade das reflexões humanas que vêm à tona na insistência de uma escrita que se reconhece inviável, inútil e imperfeita, à beira do tédio, do trágico e da indiferença estética. Por esta razão, diversos fragmentos do livro são investigações íntimas das sensações provocadas pelo anonimato, pela quotidianidade da vida comum na sociedade lisboeta. O fato de “Fernando Pessoa” considerar (em cartas e anotações pessoais), “Bernardo Soares” um semi-heterônimo faz pensar na maior proximidade de temperamento entre “Pessoa e Soares”. A crítica especializada tem procurado demonstrar que é exatamente este jogo de máscaras operado por “Bernardo Soares”, entre a heteronímia e a semi-heteronimia, o que nos permite pensar como é ainda mais relativo o estatuto de ortônimo que “Fernando Pessoa” confere a si mesmo quando escreve em nome de sua própria personalidade literária. Neste sentido, para alguns, o jogo heteronímico ganha em complexidade e “Pessoa” logra o êxito da construção de si mesmo como o mais instigante mito literário português na modernidade.
“No fim de tudo dormir. No fim de quê? No fim do que tudo parece ser..., Este pequeno universo provinciano entre os astros, esta aldeola do espaço, e não só do espaço visível, mas até do espaço total.” (“Álvaro de Campos”)
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[NOTAS FINAIS ®DOUG BLOG]
¹ Casa de Pasto é uma denominação muito comum até o final do século XIX, em “Portugal” e no “Brasil”, referente aos estabelecimentos que serviam almoços e jantares. O termo (pasto), é arcaísmo da língua portuguesa, derivado do latim (pastus), que se referia a qualquer tipo de alimento.